AMEAÇA A NACIONALIDADE POR TEMPO DE RESIDÊNCIA EM PORTUGAL
No último dia 14 de junho de 2025, o Governo Português apresentou à Assembleia da República o Programa do XXV Governo Constitucional, documento que orienta as políticas públicas prioritárias para a legislatura em curso. Entre as diversas áreas contempladas, o item IV chama especial atenção ao tratar da revisão da Lei da Nacionalidade, com a justificativa de implementar uma “política de imigração regulada e humanista”.
Programa do Novo Governo e Projeto de Lei Restritivo comprometem a Nacionalidade por tempo de Residência em Portugal
PROPOSTA DE ENDURECIMENTO DOS CRITÉRIOS
Apesar da linguagem conciliadora, a proposta governamental deixa claro que pretende endurecer o acesso à nacionalidade portuguesa por meio do alargamento do tempo mínimo de residência e da necessidade de comprovação de permanência efetiva em território nacional. Em termos práticos, isso significa que os atuais prazos e requisitos poderão ser significativamente modificados, afetando diretamente milhares de estrangeiros residentes em Portugal — incluindo nacionais de países da CPLP e familiares de portugueses que hoje beneficiam de prazos reduzidos ou dispensas.
O texto do programa será discutido em plenário no dia 17 de junho, com votação prevista para o dia 18 de junho, o que pode representar o início de um novo ciclo legislativo na matéria de nacionalidade.
PROJETO DE LEI RESTRITIVO
Paralelamente, no dia 11 de junho de 2025, o partido CHEGA protocolou o Projeto de Lei n.º 20/XVII/1.ª, que propõe alterações ainda mais restritivas à Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81). Entre os principais pontos, destacam-se:
A concessão de nacionalidade originária a filhos de estrangeiros nascidos em Portugal apenas se os pais tiverem autorização de residência há pelo menos 6 anos (no caso de nacionais da CPLP) ou 10 anos (para outras nacionalidades);
A exigência de comprovação de laços efetivos com a comunidade portuguesa, incluindo a aprovação no Teste Nacional de Integração e Cidadania e a ausência de condenações penais com pena de prisão efetiva;
O aumento do prazo de residência legal para naturalização, para 6 anos (no caso de nacionais da CPLP) e 10 anos (para outras nacionalidades).
Atualmente, a Lei da Nacionalidade Portuguesa já prevê hipóteses específicas de acesso à nacionalidade para estrangeiros com vínculo relevante ao país. No caso de filhos de imigrantes nascidos em território português, a atribuição da nacionalidade originária é possível quando um dos progenitores estiver a residir em Portugal há pelo menos 1 ano no momento do nascimento — regra que tem beneficiado centenas de crianças anualmente.
Já no caso de estrangeiros residentes em Portugal, é possível solicitar a nacionalidade por naturalização após 5 anos de residência legal, mesmo que a entrada no país não tenha ocorrido de forma regularizada desde o início, a contagem se inicia na data em que o pedido de residência tenha sido devidamente apresentado às autoridades competentes.
A norma atual reflete uma política de integração relativamente acessível e compatível com os compromissos internacionais de Portugal, especialmente com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em caráter compensatório pela morosidade estrutural do sistema de imigração, que leva anos para analisar e conceder os pedidos de autorização de residência, penalizando o imigrante por atrasos que não lhe são imputáveis.
Embora o projeto de lei vislumbre uma visão ideológica mais rígida e ainda dependa de tramitação, ele dialoga diretamente com a linha que vem sendo desenhada pelo Governo, sinalizando um consenso político em torno da revisão e restrição das atuais facilidades de acesso à cidadania portuguesa.
PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AMEAÇADA?
Importa destacar que, diferentemente da legislação de imigração — que pode ser modificada por decreto-lei do Governo —, a Lei da Nacionalidade encontra-se protegida por reserva absoluta de competência da Assembleia da República, conforme dispõe o artigo 164.º, alínea f), da Constituição da República Portuguesa. Isso significa que nenhuma alteração pode ser feita por via administrativa ou regulamentar: trata-se de matéria exclusiva do Parlamento, que exige debate público, votação em plenário e maioria qualificada.
A título de comparação, vimos recentemente a Itália aprovar por decreto-lei alterações relevantes em matéria de cidadania — um mecanismo claramente incompatível com a própria Constituição italiana, que, assim como a portuguesa, reserva esse tema ao poder legislativo. A medida foi convertida em lei a toque de caixa, ignorando princípios básicos de legalidade e segurança jurídica.
E se pensa que Portugal está imune a instabilidades, vale lembrar que, no último ano, a legislação de imigração foi alterada de um dia para o outro, sem período de transição e com impacto direto na vida de milhares de estrangeiros residentes no país. Se isso foi possível com a lei de imigração, que dirá com a pressão política crescente sobre a lei da nacionalidade?
CONCLUSÃO
Ainda que protegida pela Constituição, a Lei da Nacionalidade está longe de estar “blindada” frente à vontade política e ao clamor populista.
Para quem já reúne os requisitos legais hoje, o caminho mais prudente — e juridicamente mais seguro — é antecipar-se a qualquer eventual mudança. Esperar para ver o que o Parlamento vai decidir pode ser uma aposta arriscada. Especialmente porque, no fim das contas, quem dorme no ponto pode acordar com uma lei nova... e um direito perdido.
Importa sublinhar que, até o momento, as propostas de alteração em discussão mantêm-se em linha com os princípios da Convenção Europeia da Nacionalidade, da qual Portugal é signatário. No entanto, a aderência formal a convenções internacionais não impede o endurecimento da lei, desde que dentro dos limites constitucionais. E é exatamente isso que está em curso: um reposicionamento político da nacionalidade como instrumento de controlo migratório, não de integração.